Memória

Quando se desprende de ser só bela, refaz os espaços abertos e apertos, desdobra sem-ser-por-mal todos os abraços que não chegaram a abraçar. Volta e revira tudo. Em rastro aromático e onisciente, inspira. Sede de multiplicar-se, de se fazer outras e próximas e muitas. Talvez o maior dos lastros, que se alastra e me lustra e me guarda. Faz permanecerem fartos os meus restos, e retos os meus fardos. Faz me permitirem as linhas e as tantas, as minhas e as santas, às sombras e às claras. Faz tudo mais céu.

Pra que naquela previsão preguiçosa de ofício, naquela apreensão odiosa dos meus riscos, o futuro possa me poupar as aparas. Nas páginas pré-inscritas, quero haver poucas censuras. Nas pós-vividas, precisar de raras rasuras. Poder distribuir sem critérios as histórias de doces ou de doses, de dores ou dotes, sem me exigir dosar ou adoçar ou adorar ou adotar em falso nenhuma delas.

E aos recontos, que tenham a única piedade de não me cobrarem ser criativo. Quando der, fantasia. Mas quando não, poesia. História sempre me pareceu a falha mais autêntica de se tentar voltar no tempo.

Por fim, que os feitos ou os jeitos dos meus pés saciem o interesse das minhas lembranças. E terei sido só gratidão a esse dom/castigo de me poder lembrar.

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