O lado de cima do céu

Conto que hoje, de repente, vi o céu pedir socorro. Abafado em nuvens, ele perdia o ar e o lar e o mar de azul claro e azul-azul e escuro azul e quase preto. Os travesseiros-de-anjo se aglomeraram em torno da cidade, teatrando pré-chuva. Abafava as vidas e os ternos e os ônibus, largando mão de permitir um por do sol para o povo. Nem as classes mais altas puderam ver o sol sair do dia e entrar no carro escuro. Partiu correndo, cercado por segurança que fechavam a cara e o tempo quando o céu azul ousava acusá-los de furto. Céu azul insistia. Fraudaram o dia! Céu azul chorou uma lágrima, mas antes que ela molhasse o travesseiro, ele a reteve. Seria a gota d’água. Os travesseiros, dos anjos que choravam por não terem conseguido vaga em presépio algum para este Natal, já estavam encharcados. Mais uma lágrima, e não ia mais suportar. Céu azul engoliu o chorou e levantou a cabeça, pra não deixar chorar de novo. Viu o alto. Notou-se em reflexo o que não via sempre. O lado de cima do céu, fora do alcance das luzes da cidade - que voltavam nos travesseiros dos anjos chorosos desempregados -, estava escurinho. O tanto de noite perfeito pra que os sóis-mirins pudessem cantar. As gotinhas douradas piscavam em perfeita desarmonia. Estrelavam o céu de cima a baixo, daqui ao infinito e além. Os pontinhos brilhantes brilharam tanto os olhos do Céu azul, que Céu azul quis chorar outra vez. E antes que se proibisse novamente, lembrou que os travesseiros deviam chover. Era pra ser assim. A cidade ia molhar, os anjos talvez se fizessem dublês em algum presépio novo, e, sem travesseiros, o céu era puro Céu azul. Azul e dourado, se assim quisessem as criaturas daquele alto. Céu azul pensou em chover metade das estrelas, só pela cenografia, mas foi egoísta e abraçou forte todas. E mesmo sem travesseiro, a cidade dormiu o sono dos anjos.