Amor era um pardal no quintal dele.

Amor era um pardal no quintal dele: vivia sem, mas cabia. Um dia o pardalzinho chegou cambaleando no parapeito da janela no fundo da cozinha. Ficou lá deitado, ofegante. E ele teve medo de ir ver o passarinho. Chegou perto com cuidado, deslizou o dedo sobre sua cabecinha cansada. Acalmou. O moço buscou um pouco d'água, um farelo de pão, e logo o bicho parecia melhor. Ensaiava um assobio meio que pra agradecer. Não saiu. Ele ficou ali despejado enquanto o almoço estava sendo preparado. O homem observava a janela de quando em quando, só pra ter certeza que ele continuava ali. Depois de almoçar, deu mais uma conferida se o amontoado de penas ainda estava ali, e saiu de casa pra resolver umas burocracias no centro. Voltou, eram quatro e meia. O pardal tinha sumido. O espanto do moço durou três segundos, mais ou menos, aí depois imaginou que ele talvez pudesse ter se recuperado e voado pra outro lugar.

No outro dia, quando o sol ainda estava três dedos acima do horizonte rosa-laranja-azul deitado na serra, surgiu o pardalzinho sobre a garagem, que fica logo pra baixo do parapeito da janela no fundo da cozinha. O moço tava tão feliz! Foi lá de novo, pôs água e pão. Esperou ele vir, foi fazer carinho nele, só que o pardal não deixou, como não haveria mesmo de deixar - era um pássaro, afinal. O homem ficou tranquilo que o pardalzinho estava bem, e foi sorridente pro trabalho.

Mais uma manhã, ainda rosa-laranja-azul no céu, e um pardal no parapeito da cozinha. O moço vinha, agradava o bichinho, sorria pra ele, tentava um carinho (às vezes, o pardal deixava), e ia levar sua vida, um pouco mais alegre.

E assim mais um dia, e outro e outro. Nos dias de chuva, o pardalzinho ficava num cantinho do parapeito onde não caía água. O moço cuidava. Tinha vez que o pardalzinho se inquietava com tanto mimo. O moço entendia. Deixava o farelo num pratinho, pegava o guarda-chuva e saía.

Passaram os dias de chuva, o pardalzinho estava lá. Vinha, comia e voava. Voava, vinha e comia. O moço já tinha dois sorrisos garantidos todo dia. Era um quando ele pousava ali pertinho. Era outro quando o via voar de volta, satisfeito.

Um dia o pardalzinho não apareceu. O moço saiu atrasado pro trabalho só pra ter certeza de que ele não chegaria assim que saísse de casa. Deixou farelo no lugar de sempre, na esperança de que o pardal viesse mais tarde. O moço saiu, um ventou bateu e o farelo sumiu. E o passarinho não veio.

No outro dia, estava ele de volta. O homem não podia estar mais feliz. Pôs o dobro de farelo, esperou uns instantes e dessa vez conseguiu fazer carinho nas penas do pardalzinho. Era sábado primeiro fim de semana de férias e ele ali naquela cidade quieta e calada e dormindo e ele ali sozinho e quieto e calado e sorrindo ao lado de uma felicidadezinha que lhe voava todo dia.

Voltou os olhos pro pardalzinho. E encontrou uma manchinha preta no pescoço do bicho. O moço achou que era sujeira, passou o polegar pra limpar, e não saiu. Engraçado, nunca tinha notado aquela mancha. Lá ficou o pardal por mais trinta e poucos segundos, cansou e foi embora. Nisso ficou o moço pensando.

No outro dia, mais cedo que de costume, acordou com um barulho vindo da cozinha. Sobre a garagem, tinha mais de dez pardais cantando em uma quase-harmonia encantando moço. Via cada um e reconhecia o seu. A cada dia tinha cativado um, achando que eram todos um só. Amor deve ter meio que isso.