Caneta

Ela é distância exata pra evitar quando converge, dom sutil pra resgatar quando escoa. Não sobra escolha. Vou e me submeto ao seu humor meu. Remeto a mim as correspondências de culpa, só pra ter controle de aonde vão minhas tristezas. Calo esperando, sugiro carinho, tem hora que ganho. E me rendo à sua volta, espontânea, fingida. Meu jejum de palavras e olhares e amares era anúncio de cardume. A isca me achava; o anzol vacilava, vinha e voltava ligeiro, preferia não ficar. Mas enquanto estava, eu ia. Nadava mais pela consciência do sorriso-contagem-regressiva do que acreditava na retidão ou coerência de sentimento. É que esse seu jeitinho me trapaceia. Tinta de caneta que eu sei que mancha. Mesmo assim desenho na mão e aí não sai.

Acordei hoje e parece que o desenho sumiu. Ficou arranhado, como quando a gente cai com a mão apoiada no concreto. Tá ali, marcado, mas parece que vai secar, sumir. Meio que claro que quero que cicatrize, mas já dá pra sentir a falta daquele incômodo.

Aí noutro dia vou e cato uma caneta na gaveta. E rabisco a minha mão outra vez.