Está tudo mesmo escrito certo, por mais tortos e impossíveis que sejam as linhas, os versos e as vírgulas. Tudo pausado, esculpido, modelado, trançado, medido e pesado. Muito pesado, às vezes. Eu e a pequenez minha, a gente custa a entender. Eu perdido, pensando que vago por aí, mas passo por passo caminho o futuro que sempre houve de me ser assim, pedra por pedra largada em seu canto. Desordenou-me os sorrisos quando os quis de imediato, e a vida me guardou as alegrias aos momentos certos. Dosou-me de paciência quando não estava feliz, verteu-me em sono quando ficar acordado não me fazia bem. Assim vai me seduzindo o amanhã, crendo eu que os dias nascem, realmente. Novos e outros. Que a noite, afora a lua, o frio e o breu de estrelas, é quase um vácuo a se pensar e se deixar embargar a voz – que o silêncio não nos ouve chorar. Guardar em raros sonhos os futuros que só a gente prova, e que talvez não seja o mais cabível de se tornar presente meu. Pena é que tem noite que a mente foge e larga só vento frio sem coberta. Aí é engolir as horas mal-dormidas, mal-sonhadas, mal-passadas e acordar, recordar, recortar, te cortar de perto de mim, a todo custo, pra ver se um dia acordo sozinho sem estar só de alguém algum. Eu mesmo, só mente. Imune a você, quando provoca. Impune de você, quando me calo e você também não quer falar. Ou pelo menos parece, a mim.
Quando teu rosto aponta doce lá longe, minha apatia te repele. Pulsa tanto aqui dentro que eu te repulso aí fora. E você, acho que desiste. Espera, desiste do que? De ser como nos sonhos: outra, mas a mesma que eu aceitei. Ou assenti? Preferia-te como anti-eu, que não a ter.
Mas que abstrato falar de vida! A gente é tão pequeno, mal sabe de onde veio, nem o que faz aqui ou o que acontece depois que a gente acaba, mas teima em sempre encontrar explicação pra tudo que não sai como a gente espera. Se faltou um sorriso, quero saber o que tenho de errado. Mas se ela sorri, eu me aquieto. A felicidade é autoexplicativa. E a tristeza, metalinguística. Fala-se triste sobre estar triste, cogitando a possibilidade de dissolver em desabafos o dissabor denso de quando não se consegue sorrir. Sorrir: se fosse verbo transitivo talvez eu o achasse mais fácil. Eu sorriria estrelas, luas, horizontes, ruas. Cada pedaço de mundo poderia ser sorrido, mas hoje, além de intransitivo, sorriso tem que concordar comigo. E se me falta o sujeito, pronto. Castigo.