Empírico

Nesses últimos versos, desses públicos tempos, com esses múltiplos ventos, vi que és tudo. Estudo-te, de mim a você. O contrário é filosofia. Só fios de um novelo frágil, quase choroso. A tear. Atear um frio sobre esse seu rosto, esses seus olhos, que agora só te escondem. Às vezes até demora, mas responde. De pouco em pouco decora. Às vezes retórica. Pergunta. Resposta. Pergunta. Reposta. E gosta. E gosto. E mostro que sim. Eu monstro que assim te quis. Fi-lo por que a queria. Queria eu quisesses-me também assim. Pois então, o tempo é tudo. Um dia é tampa, outro vai ser tombo, noutro também. Até que seja, sei lá, um tambor. Pra gente batucar na vida o sonho que a vida nos batucou.

Bem vindo, mal passado.

A mudança chegou disfarçada em forma de revelação. É que como se o tempo estivesse me revelando que o novo, o diferente é o que agora me constrói. A mudança não se fez perceber. Chegou sem avisar, e quando percebi já estava sendo apresentada ao que de mim se tornou passado.  Agora me vejo em uma tarefa. Preciso decidir o que fica e o que deixo partir. Tudo ainda permanece intocável, mas meu rearranjo me exige abandonar ou realocar algumas coisas de lugar. É hora de trocar as vestes do antigo para torná-lo novo, ou apenas guardar com ternura o que ainda merece permanecer como uma lembrança. E você, onde vai ficar? Vai se perpetuar como passado? Vai se readequar ao novo? Ou apenas se vai? Não vou decidir. Deixo sem definições nítidas o limite entre presente e ausente; serás livre para transitar. Tu e todo o resto escolhem onde querem habitar. Carrego comigo somente o que já está vestido de lembrança e o que já tem ternura em seus traços. O resto que decida de que forma quer ser carregado, se ao menos quer. A existência definirá. Só tenho pressa, e será definitivo. Uma hora serás trancafiado na prateleira em que mais se acomodou, dando espaço aos novos livros que chegam. E chegam em branco, com histórias a serem escritas por mim. Eis o novo, a mudança, a revelação. O que era presente já não é mais. Sou agora o que planejava ser, e o que era... esse não foi deixado pra trás. Esse sutilmente se tornou outro, se reconfigurou. Novos livros chegam; Já vêm com capa, título, introdução. Mas já começo a escrever as futuras edições, e deixo sem peso o que não quiser vir comigo. Fique. O novo é belo, me faz trocar o medo do desconhecido por curiosidade. Que venham os frutos futuros; transforme as mágoas em águas passadas.  Se esqueça da história que não mais lhe agrada, rasgue a página que ainda lhe tem valor. Grife, sublinhe, recorte.  Novas páginas em branco aguardam, e aguardam o que só você pode preencher. Seu conteúdo, seu novo. Mudança que define a permanência – o que permanecerá em minhas novas prateleiras. O que é bom, que fique. O que não é, que vá. O novo chega: Seja bem vindo. Seja mal passado.

Pertencente

Tá aqui. Tique-taque. Tique-taque. Traque. Truco! Mas é a verdade, te escondo sob meus eus, querendo de ti ouvir um "meu", que me te pertença. Ti, presença. Silencia-te? Bem, mas pensa. Pensa bem. Pensa, bem. E não pensa demais. Só sente. Sente só. Só. Sente? Não? Invente. Tente. Sente? Venta. Frio molhado. Venta o meu vento. E uma água quase benta. Sua. Seu silêncio. Seu vento. E eu então que invento um conto novo. Conto que você me sente, e me tenta. Eu, vento. Aqui. Você, vento. Quer o lá. E voa. Viva pois. Não eu. Que eu não vou. Voo, às vezes. Só. Só. Vê? Se não vem, vai, voa, viva. Lá. Não aqui. Meu, sou sim. Assim. Se não sei, só sou... seu.

Meu-não-meu bem.

É duro admitir a falha quando dar seu melhor é ainda insuficiente. Difícil aceitar que seu próprio esforço não lhe bastou. Cruel. Meu próprio esforço não basta para meu próprio bem. Deveria bastar. Meu bem estar não me pertence, não realizo minha posse. Minha posse não me pertence, não é minha. É quando percebo que talvez exista uma força maior que nos interliga e nos torna dependentes de diversos outros “eus” para realizar nosso self. Outros eus que também não são meus, mas ainda assim interferem no meu-não-meu bem. Ou mesmo essa rede de conexões seja criada por mim, e aí, a crueldade fica por minha conta. Sim, por minha conta. Por deixar que expectativas externas sejam internalizadas por mim, tornando-me um protótipo de realizações. Pseudo-eu; Pseudo-você. Não completo nem o que criei e nem o que absorvi de sua criação sobre mim. Será mesmo necessária tal ritualização da busca pelo que nem mesmo perdi? Não perdi meus anseios, eles estão aqui. São o meu bem. Mas insisto em buscar a realização que está fora de alcance, distante do domínio do meu. Distante do domínio do bem. Meu bem se desfigura. Meu-não-meu bem.  Seu-não-meu bem...mal. Pare. Talvez não seja necessário ligar-se a todos esses eus exteriores. Apenas aos que te devolvem a posse do bem. Deixemos de aceitar a pseudo-existência, pseudo-realização. Abrir mão da posse do eu é pseudônimo de felicidade, não a é realmente. Por isso, talvez seja hora de manter o elo com quem te demonstre posse de alguma forma. Seja como devoção, oração, coração. Não entregue a posse do seu-não-seu bem à quem não te pertence, à quem te reafirma a ausência do “seu”. Passe a possuir ao invés de doar-se. Dominarei o “meu”. Só me permitirei interiorizar o que de alguma forma me ajudar a exteriorizar meus anseios. Paradoxal. Talvez seja realmente necessário incorporar alguns eus, manter os elos. Alguns. Os essenciais, essência(is). O resto, que passe a fazer parte do que não possuo. Meu-não-meu seu. Seu não mais meu.

Almar

Que a gente fale, que a gente se fale, se esfole. Retalho por detalhe, me conta. Ouço vozes e sarcasmos, mas finjo que é a trilha sonora do meu caminho. Caminho de nuvem, pedra e chuva. Amor, muro e mar. Pavor, puro, amar. Sabor, turvo, chorar. Aqui tudo é tão intenso, tudo tão tenso, sedento, detento, redento. Entende? No fundo é diferente, lá tudo flui da mesma forma. E essa dualidade às vezes machuca. É tudo tão bom, e tão ruim; tão só, e tão seu. Tampouco as amoras são constantes. Inocentes, frágeis pedaços de tempo. Despedaçáveis. Sem desesperos. Só inspiram. Sabores doces e indóceis dissabores. Silêncios em dissonância. Receios ressoantes, revoltantes. Irrelevantes. A amora se desfez, mas marcou seu pedaço de tempo, antes que a amargasse o medo, o ruim e o “só”. Por isso talvez o dois, os dois lados, os dois rios. A solidão desfeita pela raiz, a divisão, os retalhos, a multiplicação de egos, a consciência eterna confidência. De experiência, indecência, preferência. Prefiro assim. Não, nem prefiro nem interfiro. É isso. Atávico, imutável. Mas nas batalhas persuasivas dói o peso da decisão. A madame consciência fala, grita, chora e sabe. Eu calo. Ouço, rio, choro e digo que sei. No fim, deito e durmo enquanto chora baixinho lá dentro a sabedoria. A euforia, a aporia, a histeria, cada qual em seu canto, guardadas. E o vazio dos sonhos é a greve da alma. Esvaziada, enfraquecida, esquecida. Diluída, ela clama, chama, trama. Ama. Mas não parece um pesadelo! A manhã acorda, e quem não se recordou fui eu. É o arrependimento da outra lá dentro. Que crê, se ilude. Crê. Desilude. É primitivo, o racional mais consciente de todos. Apaga tudo. Afaga, paga, alaga de tudo novo de novo. E vai nisso, não sei se amora ou namora. Tipo a alma.

Docesquecendo.

Talvez seja necessário algum tempo pra me acostumar aos novos sabores. É preciso certo tempo até o amargo tornar-se doce. Questão de hábito, talvez. É hora de deixar o sabor preferido um pouco de lado, pra ter aquela sensação de saudade quando provar de novo. Aquela fusão de sentidos que te permite reviver saborosamente o passado. E pra isso, meu caro, é preciso deixar de degustar o mesmo sabor todos os dias. Assim, quando prová-lo novamente, saberei se de fato é doce, ou se era apenas o muito amargo que me deixei acostumar. Não julgarei sua essência. Quem decidiu provar-te de tal maneira fui eu. Chego às vezes a imaginar que sejamos responsáveis até mesmo pelos sabores que sentimos. Mesmo o mais doce se faz amargo se o coração não se aquieta. Meu paladar não é sincero, não julgarei sua essência. Apenas vou à busca do que irá alegrá-lo. Sabor de chuva. Sabor de primeiro dia de aula, sabor de cheiro de mar. Sabor de amizade, de colo de mãe. Tudo tão singelo, e tão singular. Não minta, sei que degustou todas essas sensações comigo. Da mesma forma que eu, tu sabes também como cada um desses ingredientes deve ser apreciado. E é dessa forma que vou deixá-lo tornar-se um sabor de saudade. Talvez essa seja a melhor combinação entre seu sabor e meu paladar. Ou talvez nos faltassem ingredientes. Talvez precisasse de um pouco mais de ternura e sinceridade pra adoçar-te. Não importa meu caro. Gostaria apenas de saber qual sabor tive pra ti. Se ao menos tive. Peço apenas que também não julgue minha essência, ela pode ter sido deturpada por seu paladar desleal.  Fecho os olhos. Sinto pela ultima vez esse sabor de indefinição. Esse sabor que tanto me agrada e que ao menos sei definir suas nuances. Da próxima vez que vier brincar com meu paladar quero que se apresente primeiro.  Quero ter consciência do amargor. Não que o sejas de tal sabor; talvez seja meu coração inquieto.  De qualquer forma irei poupá-lo de mais desdobramentos dessa história sensorial. Sabor de despedida. Amargo. Sabor de lembrança. Doce. Sabor de arrependimento. Amargo. Sabor de sentimento. Sentimento de saborear. Amargor, doçura. Aquiete-se, coração. Saboreie a saudade. Ela começa a ser apreciada agora. Doce. Doce. Talvez essa seja a melhor combinação entre seu sabor e meu paladar. Doce, Doce.

Rima

Em tortos sorrisos, entorto minha desalegria e entorpeço meus sentimentos. Congelo-os, eles se recolhem e esperam a sociabilidade cessar. Voltam logo em prantos, encantos, em cantos soando cantos de lamentos, sofrimentos. Arrependimentos. Aqui dentro tudo gira e para na grade do eu-não-eu. Faça isso, seja aquilo, e nada se faz. Efeito dos meus maus preceitos, tristes defeitos e inevitáveis trejeitos. É desse jeito, aceito que já nada enfeito, tudo está feito conforme a receita. E me parece que o mundo se deleita, quando o medo espreita e o fracasso me deita no chão. Não, rima ficou lá em cima; palavra não muda meu ego, só mima.

Maçãs

Tem hora que eu acho que a vida é feito aqueles jogos de cassinos, que a máquina tem que parar com os três símbolos iguais pra você ganhar o prêmio. Pena que na vida, assim como nesses jogos, sai tudo desencontrado. E cada fileira não tem nada a ver com as outras duas, parece que ela está ali pelo simples desleixo daquele maldito aleatório. Ou então só faltou uma maçãzinha pra você tirar a trinca e levar o prêmio. Mas aí a gente tem que se contentar em ter só uma ou duas, e infelizmente acreditar que não temos nada de especial. Aí você busca no fundo aquele otimismo e tenta entender o lado bom de ter jogado naquele absurdo impossível e ainda por cima ter perdido. E quando você então acaba perdido, logo se arrepende de ter gastado ali algumas de suas fichas. O vício tenta fazer-te jogar de novo, mas você tem medo de ser de novo um fracassado. E carrega aquele fracasso vida afora desencontrando a razão de tudo aquilo. Até que um dia algum garotinho ou garotinha que muito te ama te dê a terceira maçãzinha embrulhada numa fita, ou que talvez você encontre duas num rosto sob um véu branco, e de tão feliz nesse dia nem repare que as alcançou. Bem, uma das maçãs mais famosas da história caiu um dia de uma árvore e consagrou um cara. É porque deve mesmo valer a pena tentar encontrá-la.

Um adendo pulsante.

"É, ouvi foi o seu coração pulsar mais que duas vezes e meu próximo parágrafo ficou sem palavras. Então meu coração achou por bem continuar a bater em vez de pulsar palavras pouco verossímeis para seu coração inconstante. Sei que foi fiel ao meu vazio, ao meu desengano em descrever o que eu pulsava, mas acaba assim. O coração é quem manda e desmanda e desmonta e desfaz. Dessa vez só não desfez o que ainda não estava feito, porque de resto já sou outra. Não conto mais os pulsos do meu coração, sinto que se tentasse teria um infarto a cada parágrafo, a cada exclamação indevida. Devido a isso, largo meu lápis e deixo-te ir, sonhar talvez com o fim desse rol de inconstâncias, ou só deixar bater feliz o escritor maior de nossas histórias pulsantes."

Significamando.

As palavras não ditas me sufocam. Sinto uma vontade incontrolável de dizê-las. Mas quais? Estão difusas, confusas, ainda sem tradução. Ainda não deixaram de serem sentimentos, é preciso refino para codificá-los nas palavras corretas. Sentimento é a gênese dos textos, e minha página ainda está em branco.  Está também porque cansei de preenchê-la com citações. Basta de interferências, esse é meu parágrafo, e se preciso for vou apagá-lo e reescrevê-lo quantas vezes os sentimentos pedirem.  Sim, eles pedem pra se materializarem em linhas, é preciso apenas saber como traduzi-los. É o que me falta nesse instante. Estou cheia de palavras ainda sem tradução. Uma pena já possuírem tanto significado a ponto de me sufocarem pedindo voz. Pedem sílabas, linhas, parágrafos, mas no fim o que querem mesmo é voz. Querem penetrar nos ouvintes, querem transfigurar-se em novos significados e tão logo em outros sentimentos no interior de quem as recebeu. Da página ao coração. Não, do coração à página, e da página a outro coração, afinal, o que se é dito tem sempre um destino. E por isso estou sufocada por minhas palavras. Elas querem te atingir. Querem significar em você. Querem seu sentido, seus sentimentos, e para isso minha página precisa deixar de estar em branco. É hora de escrever meu texto e parar de assistir ao que as citações te causam. Isso não me livra do que está preso aqui. É hora de transformar minha morfologia em sintaxe e romper com sua ordem. É hora de meu texto significar em você. Preciso apenas de sua ajuda. Preciso que pare de me causar sentimentos tão difíceis de serem traduzidos. Estão todos aqui, presos sem poderem ser ditos, pois não consigo decodificá-los. Pare com isso, leitor. Assim você torna mais difícil preencher minha página. Assim minhas palavras nunca chegarão a ser poesia. Como rimar o que ainda não achei formas de traduzir? Será que o que sinto rima com você? Me ajude, leitor. As palavras permanecem me sufocando, querem voz. Busco formas de significar esses sentimentos todos tão confusos. Temo seguir com a página em branco.

Vem, vamos escrever juntos. Vamos unir os parágrafos e sermos um texto, unidade. Nosso tema é o mesmo. Do coração à página, da página a outro coração. Nossa página irá pulsar duas vezes. Toda essa metalinguagem não me abrange... Minhas palavras ainda estão aqui, leitor. Onde estão suas palavras a rimar com as minhas? Venha significar-me. Sigamos significamando. 

Chuva-lágrima

E agora o céu está claro. Claro das nuvens das noites. Me faz pensar que o azul-preto das noites sejam farsas, tendas que Deus estende pra realçar as estrelas. O céu de verdade é dessa cor, a cor que não sei dizer qual é. Mas cor é cor, não é feita pra virar palavra. Enfim, nesse autêntico céu da noite não hesitam em cair as gotas d’água. Talvez elas devessem cair sempre, mas as nuvens azuis que escondem o fundo branco acinzentado dos dias ousam em retê-las. Acho que pegam essa água retida e formam os oceanos, que por isso são tão grandes e profundos. 

Mas a água das chuvas, essa eu não sei de onde vem. Diriam os refugiados na ciência que tudo é um ciclo, evaporação, transpiração, evapotranspiração e mais outras coisas em que não creio. E que diferença fará se eu acreditar que elas vêm do infinito? Que Alguém as cria especialmente pra nós e depois as orquestra num lençol eterno para que nos molhe e abençoe? Algumas molham, algumas fazem cócegas, algumas embaçam a lente do óculos. Mas pra quê enxergar as gotinhas transparentes? Se fossem para ser vistas, não faria sentido senti-las de forma tão singular. Bastava ver traços opacos em queda livre, sem graça alguma. E aquela sensação única de sentir uma gota no braço, mas não ter certeza... Suspense, até que suspenda-se em risos a dúvida da garoa, quando a sinfonia de águas começa a musicar. 

É algo tão especial que até a terra resolve se perfumar quando se molha com a chuva. Se perfuma e todo mundo sente, sente e adora. Adoro o barulho das gotas apavoradas com a ideia de terem deixado o paraíso e serem largadas até deitarem no chão. Mas ao mesmo tempo, talvez seja a maior das honras para uma gota de chuva o rapel pelo mundo da gente. Pena que muitos de nós teimemos em vaiar o que merecia aplausos. Ousamos em erguer um guarda-chuva, é como antecipar o fim das lágrimas do céu. 

Lágrimas, eis a chuva que Deus deixa pra gente criar. Um presente e tanto, eu diria. Não fomos feitos pra chorar em palavras, e por isso as lágrimas. E como as do céu, essas também vêm do infinito, do fundo inalcançável e invisível da alma, donde surgem nossos verdadeiros sentimentos. E nosso falso céu azul é o brilho falso dos nossos olhos quando ousamos criar falsos sentimentos. Mas no fundo, o melhor mesmo é deixar a chuva cair. Chuva que ainda que doa, também refresca, alivia. Quem nunca parou de chorar e se viu mais tranquilo, mais sereno? Não é que todos tenhamos lágrimas de fênix, mas a chuva-lágrima é com certeza cicatrizante. 

Pra não me estender, pensa você sozinho sobre as lágrimas de alegria e depois vai dançar na chuva, antes que tudo se finde e o sol seque as felicidades estampadas em seu rosto.

Rosas

Eis que pendem da alma lábios em sorriso. Olhares nos abrem o leque de sentimentos, e então encharcar-se em choro ou admirar amores torna-se questão de escolha. Colher o que plantou, nem sempre ousamos ser assim. Ficamos sentados de frente aos ramos verdes, vemos as flores crescerem, ou as folhas florescerem, e esperamos tudo murchar. Pousamos a cabeça sobre os punhos e regamos com lágrimas quem já não precisa ser regado. Descarregamos depois em novas poças lamentos vãos. Faltou rasgar-lhe o ramo e o fazer presente. Fazer dele um presente. Àquela outra flor que estende sua estação na esperança de se ver colhida. Acolhida. Pelo relutante egoísta que prefere murchar sozinho que acariciar as pétalas. Triste é ser silente a rosa, que sabe das coisas, mas nada diz. Ela chora, disfarçando de orvalho suas lágrimas, e só aponta seus espinhos quando lhe é urgente. E uns não são tão em vão assim. Quando escorre aquele fio d'água vermelha, é o coração que marca, arca, embarca. Assume em suas batidas as certezas que se lhe confiam, mas falha. Fala por dores o que deve ser feito, e se não convence, dá um nó tão apertado que é a alma quem pede socorro. Sufoco. E um pedacinho dela se sacrifica cada vez que a (in)consciência acalma o coração, quando haveria de ser o contrário, ora. Não demora para a alma dar um abraço no coração. Não um abraço apertado, porque lhes faltam força, mas um abraço. A indignação dos dois é inócua, meros sentimentos custam a se afirmar vitoriosos. Mas então a maldita subconsciência vem em piedade, quando a arritmia já lhe incomoda. É, não fosse por isso, ela ainda estaria esquadrinhando nossos sonhos loucos e salpicando déjà vu a torto e a direito. Mas ela vem. Abre-se, pois, espaço para os disparos e disparates do coração, e a alma torce clemente por flechas certeiras ou perfumes fatais. De fato, esse é o sonho da alma e da rosa, esta que pensa que já viveu isso antes, mas já duvida se foi só artimanha do infinito. Como se fizesse diferença... Bem me quer, mal me quer. De certa forma, tudo dependeu da primeira pétala. Então tudo é horário alternativo à pré-estreia? Que seja. A história é nova, a rosa é nova, a dor é outra. Porque nessa lenda de metáforas botânico-cardíacas o coágulo não existe. Bem, a não ser que aquele botão da roseira seja a rosa cativa do Pequeno Príncipe, talvez seja melhor buscar nos buquês da vida os espinhos mais doces, ou os mais amargos. Ou esquecê-los para sempre e esperar, quando retornarem, que estejam nas mãos da rosa preferida. Rosa de branco, num tapete de vermelhas rosas. “Sim, eu aceito!”

Eu te sinto, Eu te somos.

Eu te sinto. Não vejo, mas sinto. Estás escondido, mas algumas coisas não te deixam passar-se despercebido. Presente em coisas grandiosas, mas grandiosamente presente nos detalhes quase imperceptíveis. Venha, pode vir à tona, não se aflija com as ameaças que a luz faz a seus olhos. Deixe que ela penetre por eles e chegue a mim. A mim? Sim, a mim. Você sou eu. Você é meu escudo. Você sou eu subterfúgio. Você sou eu, ou eu te sou? Depende. Depende da coragem. Às vezes eu te sou. Me escondo, deixando transparecer meu eu apenas nos detalhes. Havia também vezes em que você me era. Surgia, enfrentava a luz que o cega e deixava o mundo enxergar o que teus olhos viam. Mas agora estás aí, recluso. Estamos, pois nesse momento eu te sou. Estou presa contigo. Estamos nos escondendo do que está lá fora. Deixamos nossos anseios pra trás. Ou eles nos deixaram? Talvez tenhamos sido abandonados por esperar demais. Com medo do medo deixamos de sonhar. Deixamos nossas vontades pra trás por desassossego com o mundo lá fora. Por que, amigo? O que somos, o lá fora ou o aqui dentro? Diga, somos o aqui dentro. Então por que deixamos com que o lá fora nos invadisse? Pior. Não deixamos ser invadidos e nem tentamos invadir o lá fora. Nos escondemos. Estamos aqui, trancados e sendo amedrontados pela luz e pela ameaça de invasão. Mudou o lá fora? Não. O lá fora te mudou. Nos mudou, afinal, já sabe. O lá fora nos mudou porque deixamos. O lá fora nos mudou porque permitimos que a invasão nos alcançasse. E o aqui dentro, onde está? Estamos no aqui dentro. Estamos presos em nosso interior. Estamos aqui, brindando com nossos sonhos e ideias. Poético, não? Não. Poético seria deixá-los invadir o lá fora. Só assim teriam chance de sobreviver, realizar-se, desdobrar-se. O que nos invadiria seriam apenas as realizações. Mas não, eles estão aqui conosco, e nós todos estamos presos na redoma que construímos com medo da invasão. Tivemos medo de mudar o lá fora, mas o lá fora não hesitou em causar-nos mudança. Me diga, amigo, novamente. Somos o lá fora ou o aqui dentro? O aqui dentro. Sim, amigo. Somos o aqui dentro, mas não devemos habitar aqui. Vamos desconstruir essa redoma. O lá fora não vai nos invadir se o aqui dentro passar a nos habitar, e não o oposto. Sim, o aqui dentro deve nos habitar e nos preencher, nos tomar, nos invadir e nos transbordar. Não tenhamos medo do desassossego do lá fora. Vamos apenas ser o aqui dentro. Se o lá fora não gostar, que se enclausure. Vamos invadi-lo, jamais o oposto.  Vem comigo, vem me ser? Vamos.  Deixa chover essa redoma. Após a chuva nosso eu será o arco íris. Venha amigo, venha à tona. A luz não mais nos cegará, estamos unidos, já posso ver pelos seus olhos. Nem mais te sou nem tu me és. Apenas somos. Não me é mais subterfúgio, pois não queremos mais nos esconder.  Somos sem escudo, sem redoma, sem proteções. Deixamos o esconderijo do aqui dentro e agora ele habita dentro de nós. E está vivo, pulsante. Nossos sonhos agora brindam o “nós”. Brindam por nós, se alimentam do “nós”.  Nem eu te sou nem tu me és. A luz penetrou por seus olhos e chegou a nós. E não foi invasão, só chegou porque permitimos. O lá o fora? Ele que se invada conosco. Se invada de nós. Eu te sinto. Te sinto e agora te vejo. Eu te sou amigo, eu te somos. Diga amigo, novamente, e o lá fora? Ele que se invada conosco. Ele que se invada de nós.

Chão de vento

Nesse céu de azuis ásperos, o que me amacia são as nuvens esparsas de algodão. Não que me arranhe a limpidez desse mar de ponta-cabeça, mas é que suas ondas me arrastam, e eu não consigo nadar. Meu olhar em breve infinitude delata meu paralelismo desastrado. Esse céu desgraçadamente mais-que-perfeito, olhando com candura e afago, tenta ser meu espelho, mas falho. Minha renitência não murcha e resisto. Mantenho-me distante dos sonhos meus, para que eles sejam cada dia mais idealização, maravilhas e ilusão. Disforme pensamento, que assim mantém-me à inveja das miragens que desenho. Medo maior de que me acostume ao não ser e persista enviando para a fantasia o que devia esperar de mim.