Sua companhia.

A voz que não conheço. A fisionomia que não me é familiar. O perfume que não sei qual é. O abraço que não me envolveu. A coragem que faltou. Tudo isso deveria ter ficado pra trás, mas veio comigo. Isso é um passado presente. Um presente ausente.  Uma ausência presente. Sente a saudade em minha metalinguagem?
Saudade do desconhecido, do impalpável, do inexplicável, do não vivido. Sinto falta do que nunca me fez presença e hoje me é ausência. Mas sinto. Sentido? Nenhum. Ficaram pelo caminho, distribuídos pelas tantas milhas entre a possibilidade de presença e a certeza de ausência.
 Talvez eu devesse tentar esquecer as possibilidades. Parar de ouvir a voz que não conheço, de me alegrar com o sorriso que nunca me sorriu... eu tentei, confesso. Falhei, admito. Não quero tentar de novo, assumo. Talvez a ausência ainda não tenha se materializado por completo, está chegando aos poucos, percorrendo o mesmo caminho que me trouxe. Me trouxe em metade. A outra parte ainda ouve a voz que não conheço, reconhece a fisionomia desconhecida. Sinto apenas o que meus olhos não veem nem nunca viram. Queria não ter te trazido comigo, ter te deixado pra trás. Mas espere, eu não te trouxe. Por que insiste em se fazer presente? Não te culpo, corrijo. Porque insisto em te fazer presente? No fundo não te trouxe comigo, trouxe apenas minha vontade de te trazer. Peço licença pra corrigir novamente: queria sim ter te trazido comigo. Por que insiste em se fazer ausente? Sente a saudade em minha sintaxe?
O riso que não me ri. As manias que não me apresentaram. O eu verdadeiro que o habita. Não conheço, mas também trouxe comigo. Por que insiste em se fazer presente? Por que insiste em se fazer ausente? Por que trazer-te comigo? Por que deixa-lo pra trás? Sente a saudade em minha duvida? Não, não sente. Eu a sinto toda para mim acrescida a cada milha de distância entre a possibilidade de presença e a certeza de ausência. Vedes, estou voltando ao ponto em que comecei. Vedes, puseste-me em um ciclo. Vedes, não sei como sair. Ou sei, mas não quero.  A ausência está a caminho de materializar-se, está percorrendo o mesmo caminho que me trouxe. Uma pena você chegar antes. Talvez sua companhia me seja maior do que a distância que a ausência precisa percorrer. E é doce. Corrijo novamente: Uma pena você não chegar de fato. Sente a saudade em meus equívocos?
A voz que não conheço me fala. A fisionomia que não me é familiar se faz em mil configurações conhecidas. O perfume desconhecido me agrada. Sinto-me abraçada. A coragem ainda falta, isso não muda, uma pena. Gostaria que fosse do tamanho da distância... possibilidade de presença, certeza de ausência. Não importa, sua companhia é maior. É melhor. Não precisa vir, ausência. Materialize-se em presença ou se perca pela estrada. A companhia é maior. É melhor. Corrijo: você veio comigo. Porque insiste em existir? Porque não me ensina a desistir? Isso é um passado presente. Um presente ausente. Sente a saudade na repetição?
Distante. Ausente. Acompanhe-me, presente. Sua companhia é maior. É melhor. Sente a saudade, sente ?

Frio

E nesse frio parece que as verdades sabem melhor se infiltrar. Elas então fluem por entre o ventinho gelado sem que nenhuma palavra precise escapar. Mas quando escapam, elas fogem da boca por aquelas fumacinhas brancas que costumam sair com nossos sopros e suspiros. E nem se se quisesse mentir, seria impossível. A mesma fumacinha delataria a mentira e o mentiroso. Mas a verdade é que não vale mesmo a pena. Quando nos apertamos trêmulos de frio, quando nos abraçamos rígidos de frio, quando nos escondemos cínicos do frio, a mentira é a contramão. E perde. As palavras são poucas, saltam só quando necessárias. Noite. Fria. E se procuram a sinceridade e a felicidade, já era o tempo dos permeios vãos. Palavras doces, quando bem ditas, são o eterno chocolate quente a quem as acolhe. O rosto está frio, avermelhado de frio, e o rubor da timidez ou some ou não se deixa ver. Não há olhos azuis ou castanhos sob o escuro gelo da noite, há só olhinhos espremidos num rosto congelado num corpo contorcido que busca achar seu lugar. Lugar entre as brisas que arrepiam e as estrelas que tentam do alto nos esquentar um pouquinho. E assim elas pulsam mais esforçadas, resistem, iluminam, encantam. O esquentar ou não é só ponto de vista. Mas se as próprias estrelas têm acreditado nisso por tanto tempo, talvez seja melhor acreditar também.

Meu paradoxo, Minha Antítese.

Me sinto vivendo uma incoerência. Sempre estive na luta por liberdade, por deixar a vida me levar e agora me vejo agoniada justamente porque a possuo. Nesse momento a liberdade me prende e me deixa sem alternativas. Contraditório? Talvez.
A liberdade me agonia justamente por ser a única possibilidade. A única coisa que sou capaz é assistir aos acontecimentos e esperar pra ver a que caminho eles irão me levar. Minha única escolha é não escolher. Não optar, não planejar, não esperar, não criar expectativas... apenas ver a vida me levar até o que julgo ser o destino ou qualquer outra nomenclatura associada à ideia de razão maior.
É, meu amigo, nem sempre a liberdade liberta. Agora me vejo presa por ela por ter a certeza de que não posso fazer nada para alterar meu caminho, pois não sei ao menos a que caminho serei guiada.
Sempre acreditei que frustrante é tentar e não conseguir, mas percebi que frustrante é não poder nem mesmo tentar realizar algum esforço.
Serenidade? Não, não possuo. Não possuo a capacidade de apenas observar acreditando na tal razão maior. Quero ao menos a ilusão de que talvez algum esforço adiantaria ou seria capaz de me guiar ao que eu realmente espero. Não optar, não planejar, não esperar, não criar expectativas. Nenhuma dessas exigências me abrange. Opto, planejo, espero e crio milhares de expectativas. Liberdade? Talvez... Liberdade se talvez eu pudesse medir esforços pra chegar a alguma dessas expectativas. Não. Minha liberdade se materializa em prisão. Se torna prisão quando me deixa sem ação, sem refrão. E pior, me prende atrelada à emoção e me leva a razão. Não me deixa pensar a liberdade, sou forçada a apenas senti-la. E eu a sinto do lado oposto aos meios anseios. Onde? Também estão presos. Presos em mim. Confuso, amigo? Não fique. Deturpei a liberdade? Me perdoe...ou me prenda à culpa. Ela apenas não me tem sabor doce dessa forma.
Onde quero chegar com isso? Não sei...talvez até onde a liberdade permitir. Minha liberdade limitante. Meu paradoxo...ou minha antítese? Talvez os dois. Por que ? Minha aporia recai sobre o mesmo elemento e sobre elementos diferentes ao mesmo tempo. Recai sobre mim, mas eu o sou em duas partes: eu livre, eu limite. Mas eu livre é limitado...acabo me fundindo em um novamente. Confuso, amigo? Não fique. Não fique confuso e não fique aqui. Vá, seja livre. Não seja limite. Mas aprenda, amigo,serás subjetivamente limite se fores livre. Eis o meu paradoxo, minha antítese. Não fique, amigo. Não fique preso comigo. Vá. Quem sabe um dia minha liberdade não me leva de volta a você. Ou te traga de volta a mim...depende de quem estiver na gaiola. Confuso, amigo? Não fique. Voe, amigo. Deixa que a vida te leva. Descubra o lado bom disso e volte me ensinar a ser livre. Ainda estou presa na liberdade. Sou controladora, amigo. Queria apenas poder te escolher e guiar meu caminho até você. Não posso. Posso apenas assistir até onde essa liberdade-impossibilidade me leva. Confuso, amigo? Eu estou. Não quero que vás nem que fique. Confuso, amigo? Fique. Fique comigo. Se ficares comigo não me importarei em apenas assistir a liberdade me guiar. Fique, amigo. Se prenda comigo, vamos ser livres. Aproveite que minha liberdade me prendeu apenas com minha emoção e deixa eu te sentir. Não quero te pensar, sentir já me basta. Vedes, amigo? Contigo começo a ver beleza na liberdade. Fique. Liberte, prenda. Seja liberdade, meu limite. Fique, amigo. Fique.